Todos os conselhos sobre a forma de organizar o dia a dia de bebês e crianças caminham para a máxima geral: “estabeleça uma rotina”.
Isso significa, basicamente, organizar as atividades do dia a dia e dar-lhes um ritmo organizado, lógico, concatenado, permitindo que o cotidiano flua melhor e a casa funcione bem. As crianças, principais destinatárias desse esforço, passam a entender o ritmo próprio de cada coisa, adquirem mais segurança e tranqüilidade e compreendem melhor os hábitos e necessidades da família, assim como os seus próprios com relação à higiene, alimentação, sono, estimulação.
Ter uma rotina é, de fato, libertador em um primeiro momento.
Quando o bebê ainda não tem horários definidos – porque suas necessidades são muito variáveis e ele está se acostumando com a vida fora da barriga –, o dia acontece a toque de caixa, cada hora de uma forma diferente, com muitas surpresas e imprevistos. Isso pode ser deveras cansativo e estressante.
Com o tempo, aprendemos a lidar melhor com essa ausência de rotina e, num esforço de tirar água de pedra, tentamos estabelecer minimamente alguma ordem em meio ao caos. Verdade seja dita, uma casa com bebê recém nascido experimenta a verdadeira definição de caos: “estado de absoluta confusão, desordem, perturbação”. Sim, eles são seres lindos, adoráveis e apaixonantes, mas tem um potencial surpreendente de tirar todos do seu status quo.
Com o tempo, porém, essa situação melhora, alguns lampejos de padrões e rotinas vão se estabelecendo, até que, quando menos se espera, o bebê passa a acordar e dormir em horários bem semelhantes, a se alimentar nos mesmos momentos do dia, a se comportar de um modo bastante previsível.
Eis que surge a tão esperada “rotina”.
Descobrimos que o bebê “funciona” muito melhor dentro dessa programação. Mamãe desenvolve uma paz de espírito enorme quando tudo segue os trilhos. Papai também se beneficia dessa ordem.
A vida funciona tão melhor dentro do seu ritmo diário que surge um problema reverso: sair da rotina passa a ser algo muito desafiador.
Programações e compromissos que chocam com os horários da soneca são cancelados ou atrasados; almoços ou lanches no horário das refeições da criança são colocados em segundo plano; visitas que coincidem com o horário da rotina noturna e de sono podem ser dispensadas; convites de última hora tendem a receber um sonoro “não”; e por ai vai…
Sem que percebamos, vamos nos aprisionando naquele lugar seguro, conhecido e confortável que representa a rotina em uma casa com crianças. O que antes era sinônimo de liberdade, torna-se verdadeira prisão, que, a grosso modo, representa a absoluta falta daquela primeira.
É que a preocupação em manter a rotina, um dia sim e no outro também, pode fazer com que percamos a maleabilidade, nos tornemos rigorosas ou metódicas demais, muitas vezes incapazes de concessões.
Talvez tudo isso derive de certo temor de que aquele caos inicial retorne, de que o bebê se transforme em algo inadministrável fora do seu ritmo ordinário ou ainda, e muito provavelmente, tenhamos que admitir para nós mesmas que controlamos muito pouco ou quase nada da nossa existência quando saímos da nossa zona de conforto (mesmo nela nosso controle é bastante precário).
Só que a vida de verdade não acontece apenas nesse ambiente onde as variáveis são cuidadosamente controladas; ela acontece mesmo lá fora, no movimento da rua, no vai e vem das pessoas, no acorda e dorme do sol, no crescente e minguante da lua.
Ficar trancada em casa, na rotina, pode até trazer uma vida aparentemente confortável, mas certamente não tem todo brilho e toda cor que nossa existência (com ou sem filhos) pode e deve ter.
Por isso, é importante se permitir quebrar certas regras, testar novas formas, flexibilizar rotinas, sair da zona de conforto. Permitir-se experimentar as novidades do inesperado e os desafios do imprevisto. É justamente daí que vêm muitos dos ensinamentos e aprendizados que precisamos.
Portanto, não se aprisione na sensação de segurança que a rotina pode trazer. Permita-se experimentar, testar possibilidades e, de quebra, descobrir novas formas se ser e de viver todos os dias.