No começo deste ano a escola onde meus filhos estudam estava trabalhando com os alunos sobre profissões, e, pela primeira vez, minha filha me perguntou: “mamãe, o que você é?”. Achei a pergunta tão difícil de ser respondida, principalmente para uma criança de 5 anos. A atividade escolar, que durou cerca de 1 mês, não era somente sobre relatar a profissão dos pais, mas também ir vestido de alguma profissão e levar um pai/mãe para falar sobre o que exerce. Para fugir do óbvio, mandei a minha filha vestida de bailarina, que considero uma profissão linda. Mas, depois dessa atividade, fiquei pensando sobre o efeito da profissão dos pais na vida dos filhos e sobre como valorizamos pouco a jornada dos nossos pais para nos criarem.
Por fatores alheios à minha vontade, parei de trabalhar quando a minha filha mais velha tinha 9 meses. Eu, que comecei a trabalhar aos 18 anos, vivi uma depressão pós-parto não convencional que não desejo a ninguém. Amava a minha filha, mas acordava triste e dormia triste. Os momentos em que eu me sentia em paz eram justamente aqueles em que eu estava desempenhando meu papel de mãe.
Minha mãe sempre trabalhou. Reduzia a carga de trabalho para estar ao lado dos filhos uma parte do dia. Fui criada em uma família em que as mulheres trabalham muito. São independentes, lidam com os conflitos de forma sábia e conduzem suas famílias de maneira formidável. Foi o que aprendi e entendi que assim deveria ser. Aos 18 anos, entrei na minha primeira faculdade. Aos 19 anos, na segunda faculdade. Aos 23 anos, tinha dois cursos superiores na bagagem. Aos 30 anos, tinha três cursos superiores, uma pós-graduação, alguns anos de experiência e a minha independência financeira, mas passei por assédio moral no trabalho que durou 3 anos.
Engravidei e isso me manteve onde eu tinha conquistado por mais 1 ano. Vi minha vida profissional e tudo o que eu tinha conquistado até então desmoronar por uma vaidade alheia que me entregou a carta de demissão assim que retornei da licença-maternidade. Planejei, então, voltar ao trabalho o mais rápido possível, mas, logo depois, engravidei do segundo filho, em outro momento de grande confusão interna. Estava grávida, desempregada, sem casa própria e sem qualquer autonomia sobre a minha vida.
Depois que o meu segundo filhos nasceu e nos mudamos para nossa casa, percebi, então, que o conflito estava em quem eu queria ser e quem eu estava realmente sendo. Eu queria ser aquela advogada que saia para trabalhar linda, penteada, bem vestida e voltava no fim do dia para buscar as crianças na escola, brincar com eles, dar a janta e colocar para dormir. Mas não era. Estava todos os dias descabelada, com duas crianças pequenas, roupas velhas no armário, e o mais longe que eu conseguia ir era à padaria ou ao parquinho da pracinha. Os dias eram todos iguais e, geralmente, um caos. Mas era o momento. Aquele precioso momento em que meus filhos precisavam de mim mais do que o trabalho.
Depois da pior fase, de adaptação e ajustes, passei a enxergar tudo como uma bênção. Recebi o apoio incondicional (como sempre foi) dos meus pais, tive de brigar pelo apoio do meu marido, expliquei inúmeras vezes os motivos de estar sem trabalhar, mesmo sabendo que não deveria explicar, e passei a exercer a função de mãe. De jornalista, professora de português e advogada, passei a ser mãe e dona-de-casa. Mais especificamente, dona da casa. Criei autonomia, estabeleci regras, ignorei conselhos desnecessários, impus limites e passei a driblar aquela depressão tardia com uma boa dose de filhoterapia. Com o orçamento reduzido, os programas em família aos finais de semana tiveram de ser reorganizados. Nada de comer em restaurante ou ir a shopping center, onde gastamos uma fortuna por uma tarde de passeio. As atividades extracurriculares foram cortadas, os excessos foram eliminados e uma boa dose de realidade foi fundamental para colocarmos o pé no chão.
E foi então que assumi a maternidade da forma mais plena, tampouco não menos dolorosa. Não sei quando voltarei a trabalhar. Confesso que hoje, quando penso nisso, me dá medo e insegurança. Assumi todas as responsabilidades da casa de forma intensa, sem delegar qualquer função a terceiros. Não condeno ninguém que faz isso, cada mãe sabe a melhor forma de ser mãe. E todas as formas são difíceis, porque em todas elas deixamos para trás muitos planos, projetos, planejamentos, e abrir mão de tantos sonhos para ser mãe é uma das maiores doações que existem, mas poucas pessoas conseguem entender isso, e muitas das outras pessoas (as que não entendem) conseguem apenas julgar.
Raquel Zanon, jornalista, advogada e professora de formação, mas mãe em tempo integral da Luísa, 5 anos, e do Eduardo, 3 anos, pós-graduada em fazer de tudo um pouco e ao mesmo tempo.