O corpo da mulher enfrenta grandes e indeléveis mudanças durante e após a gravidez.
É muita transformação, externa e interna.
Não à toa. Para gerar uma vida com todo detalhe e perfeição, aquele corpo passa por uma enxurrada hormonal, cresce, incha, dilata e, no final das contas, nem se reconhece mais.
Manifestar essa capacidade divina de gerar e parir uma vida deixa marcas intensas e profundas no corpo e na alma da mulher.
O bebê nasce, mas o corpo da mãe não retorna ao estado anterior.
A missão de gerar uma vida se transmuta para a missão de nutri-la.
O corpo da mulher se volta de maneira impressionante para a função de alimentar o bebê.
É a natureza ainda manifestando toda a sua sabedoria e perfeição a partir do corpo feminino.
É lindo, é divino, é natural, é fisiológico, é perfeito, mas pode ser um tanto dolorido.
Dói um pouco não se reconhecer em si mesma.
Não apenas pelas transformações físicas, mas também pelas fortes mudanças emocionais. As transformações externas são acompanhadas por mudanças internas talvez mais significativas (porém não tão velozes).
Não é tempo de vaidades, é tempo de doação.
O momento, embora passageiro, muitas vezes parece eterno. É um mergulho muito profundo numa realidade nova e desconhecida que requer entrega, plenitude e fusão, fusão com aquele bebê indefeso que acabou de sair do ventre e não tem nenhum outro referencial nesse mundo exterior a não ser a mãe.
Só que essa mãe, até outro dia, não sabia existir para o outro dessa forma. Seu antigo “eu” e sua antiga forma de “ser” voltam com freqüência para metralhá-la com antigos padrões, regras, desejos, projetos…
Talvez, em algum momento desse novo existir, as mudanças físicas nesse corpo feminino possam começar a lhe causar algum incômodo… o peso que insiste em não diminuir na balança, a forma física que teima em não voltar, o condicionamento um tanto decrescente…
Talvez isso aconteça porque ela está se olhando com os olhos do passado. Um olhar ainda incapaz de ver com todas as suas cores o milagre que ela realizou e realiza todos os dias por seu filho a partir do seu corpo.
Um olhar que ainda não enxerga a verdade do impacto da maternidade.
Definitivamente a maternidade é dom. É dom de amar, gerar, doar, compreender, resistir, insistir, aprender, errar, cair, levantar, entregar, entregar-se, perdoar, aceitar, relevar, esquecer, lembrar… o dom de exercitar tudo isso todos os dias, em meio à correria da vida, à doação aos filhos, às exigências do trabalho, à exaustão das tarefas domésticas, à rotina familiar e aos vários e inúmeros papéis que a mulher assume para si e desempenha como ninguém mais faria.
O corpo realmente muda com a gravidez e o olhar sobre ele também deveria mudar.
Porque foi esse corpo que lhe permitiu manifestar toda a beleza e essência da vida humana, dar continuidade a ela e imprimir novas marcas nesse mundo a partir dos filhos.
As cicatrizes e as marcas desse processo deveriam ser exaltadas e não escondidas, muito menos ser causa de vergonha.
Aceitar o corpo depois dos filhos é também aceitar de maneira plena a maternidade, que inexoravelmente faz o tempo ter outro ritmo e muda a ordem na escala de prioridades.
Demorei um tempo para perceber tudo isso e me impus cobranças e sofrimentos que hoje vejo como tão desnecessários. Muitas vezes somos cruéis conosco quando deveríamos ser a primeira fonte de admiração e aceitação próprias.
É preciso mudar isso. E essa mudança apenas terá sentido se vier de dentro, porque o exterior, na maioria das vezes, não diz nada a respeito do que realmente somos…
P.S.: Para inspirar a mudança:
The Shape of a Mother: espaço de apoio a mães, aberto para que as mulheres dividam suas histórias e discutam sua relação com a verdadeira forma pós-gravidez.
The 4th Semester Bodies Project: movimento fotográfico que abraça a beleza das mudanças trazidas pela gravidez, parto e amamentação, revelando e celebrando-a sem censura.
“Beauty Revealed Project”: projeto da fotógrafa Darien Mcguire que procura revelar a beleza e histórias por trás das cicatrizes da maternidade.