Eu não esperava que Isabela e Laura viessem ao mundo tão antes da data prevista a ponto de precisar ficar internadas em hospital, com cuidados médicos intensivos, ainda que fosse uma gravidez gemelar. Acredito que nenhuma mãe ou pai pense nessa possibilidade para o início de vida de seu bebê. Eu não cogitei essa possibilidade e, por isso, não me preparei para ela. Acho que, inconscientemente afastando essa ideia do pensamento, eu poderia afastá-la da realidade. Não foi bem assim…
Isabela e Laura nasceram com 33 semanas e cinco dias (se é que se pode confiar em precisão da idade gestacional). Uma das bolsas (a da Isabela) estourou e não tivemos sucesso ao tentar inibir a evolução do trabalho de parto. Depois de cerca de 12 horas, as meninas nasceram; não, não foi um parto natural e humanizado, como queríamos; foi uma cesariana (assunto para uma próxima conversa).
Foi rápido o nosso primeiro encontro. Isabela e Laura logo foram levadas para os primeiros cuidados e dali para a UTI Neonatal (UTIN). O pai ainda conseguiu vê-las naquela mesma noite, eu, tive que esperar a manhã seguinte.
Não sei ainda descrever o sentimento de se carregar por tanto tempo o bebê e tê-lo “arrancado dos braços” justamente no momento que deveria ser o mais sublime, o seu nascimento. Claro que intervenções médicas bem feitas e oportunas são fundamentais e cruciais para garantir a plena saúde do prematuro, mas o que eu queria mesmo naquele momento era segurar minhas bebês, olhar bem nos olhos delas e começar nosso reconhecimento mútuo. Isso ficou para depois…
Nunca havia entrado em um ambiente de UTI Neonatal. Ao chegar lá, o choque foi inevitável.
Pense no turbilhão: uma mãe recém parida de duas bebês que mal viu ao nascer, recuperando-se de uma cirurgia de grande porte e da anestesia, ainda sem entender bem o que acontece ali e o que lhe caberia fazer, tenta administrar sentimentos contraditórios, dores físicas e emocionais e também hormônios, muitos hormônios. Foi uma mistura de choro, perguntas, risos, respostas, olhares, dúvidas, suspiros, incertezas… Não sabíamos ao certo nem as perguntas a fazer. O que interessou mesmo, naquele primeiro momento, foi saber que as duas estavam muito bem, estáveis, respirando naturalmente e dormindo lindamente. Como dormem os prematuros (mais que os recém nascidos, certamente)! Observá-los ali na incubadora é quase ver ao vivo como se comportam no útero; até poderia ser uma vivência bonita, não fosse a ansiedade e a angústia inevitáveis naquele ambiente hospitalar.
Foram dias seguidos de vigília ao lado das incubadoras! Os dias passaram a ser organizados a partir dos horários de visita na UTIN.
Houve revezamento de colo, método canguru, muitos toques e contato pele a pele. Longos minutos alimentando-as na sonda. Em meio a isso, uma pontinha de inveja das enfermeiras que estavam a todo tempo com as bebês e as conheciam melhor que a mãe. Noites angustiantes pensando em como as meninas estavam, se choraram, se sentiram fome, frio, solidão, saudade da barriga, se as cuidadoras as acolheram quando precisaram, se sabiam que nos preocupávamos com elas constantemente. Ansiedade para iniciar a amamentação e, depois, para que ela fluísse natural, como deveria ser. Horas tirando leite na salinha do banco de leite, com dor, calor, cansaço, e também com muito amor e vontade de que aquele leite trouxesse o milagre que esperávamos e as fizesse fortes para irmos para casa. Confronto com os médicos para garantir que o melhor fosse feito e que se aproximasse o tempo em que elas não precisassem de nada além do colo dos pais, do leite materno e do carinho da família. Medo de como seria quando isso acontecesse e saíssemos do hospital para casa, sem todo aquele acompanhamento e monitoramento.
Não havia nada grave a ser tratado, era apenas uma espera para que se completasse fora o amadurecimento que deveria ter acontecido dentro do útero. Só que aquela espera tornava tudo relativo, impreciso, intenso: os minutos eram longos e os dias eram intermináveis, mas as visitas passavam rápido; o tempo ordenhando leite era enorme, mas sempre insuficiente para alcançar a demanda diária crescente das duas bebês; a alegria ao chegar e pegá-las no colo era diretamente proporcional à angústia de deixá-las a cada noite no hospital novamente; cada ganho de peso era comemorado como nunca e qualquer grama perdida era motivo de luto.
Fomos aprendendo a ter paciência, a esperar, a confiar, a respeitar o ritmo da vida, a agradecer pequenas conquistas, a nos resignar diante do inevitável, a nos fortalecer na fé, a nos apoiar na família. A maior de todas as lições foi mesmo que não controlamos os rumos da vida, que sempre dá voltas e termina por nos colocar diante da nossa fragilidade, humanidade e limitação.
Os dias se passavam e a rotina ia ficando mais automática.
Inevitável a aproximação com outros pais e mães de bebês internados na UTIN. Com eles passamos a compartilhar angústias e vitórias. A alta de algum bebê fazia a alegria de todos e sempre despertava a vontade de também viver aquele momento, de descobrir na prática o seu significado. A chegada de um novo bebê trazia a troca de olhares de compreensão e solidariedade, afinal, estávamos todos na mesma expectativa.
Foram 17 dias de UTIN para a Isabela, 19 dias para a Laura e um total de 22 dias de vida dentro de um hospital até nossa alta. A alta foi um momento extremamente esperado, mas também temido. Deixar o hospital com aqueles seres tão frágeis e indefesos trazia uma responsabilidade absurda. Não havia mais monitores cardíacos e de saturação, não havia mais enfermeiras para ajudar nos cuidados com as bebês, nem médicos para recorrer de imediato em qualquer intercorrência. Éramos apenas nós! No fundo era como deveria ser desde o início, mas não foi. E a experiência de bebês internados em UTINs deixam marcas nos pais e aumentam inseguranças e dúvidas que seriam naturalmente resolvidas, mas que acabam se tornando maiores do que realmente são. Acho que o instinto materno fica meio atrapalhado também, principalmente pelo longo tempo obedecendo e não fazendo as regras da rotina com o bebê.
Mas é chegado o dia de ir para casa. Um marco importante na nossa nova vida em família.
No caminho do hospital para casa, uma infinidade de pensamentos e sentimentos se misturam. Será que vamos dar conta de tudo? Será que as bebês ficarão bem? Será que temos tudo o que precisamos para cuidar delas? Será que vamos saber o que fazer quando chorarem, acordarem, dormirem? Será…? Será…? Essas perguntas foram sendo respondidas pouco a pouco conforme passavam os dias. Outras perguntas surgiram. Novas respostas foram sendo descobertas para perguntas antigas. Círculos se fechavam para novos círculos se abrirem.
Aprendemos a conviver com as dúvidas e as incertezas. Elas sempre vão existir! Descobrimos que não há um único modo de fazer as coisas; há o modo que melhor se adapta à mãe, ao bebê e à família. O que funciona na casa ao lado pode não funcionar na nossa, por isso, comparar mães e bebês é uma fonte tão grande de frustração. Nossa missão é construir o “nosso jeito”, aquele que atende nossas necessidades, respeita nossas particularidades e que está bem distante dos atalhos prometidos pelas fórmulas mágicas, teorias milagrosas e rótulos prontos. É uma missão diária, para toda a vida…
Àqueles pais que passaram pela mesma experiência , deixo meu sincero desejo de que essas cicatrizes logo se dissipem e compartilho a minha certeza de que esses pequenos muito tem a nos ensinar em força e superação!
Menina, que relato mais emocionante… qua dor, ternura e amor ao mesmo tempo… tudo junto e misturado!!! Que mãezona é!!! Tô aqui em prantos lendo essa realidade que viveu… e c a certeza cada vez maior disso q disse: ” não podemos controlar nossos rumos”!!! Por mais que lutamos por um mundo mais justo e melhor, várias coisas fogem do nosso controle…. Tenho certeza q esse texto ajudará muitas pessoas a passarem por momentos difíceis… na torcida sempre por uma cicatrização rápida!!!! E por fim, ele é de uma leveza na leitura que dá gosto!! Meus sinceros parabéns… por tudo!!!! Bjs grandes em toda bela família
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Flávia! Muito obrigada pelo carinho na mensagem. Fico muito feliz que tenha gostado do texto e, mais ainda, que tenha achado a leitura leve. As vezes escrevemos e não sabemos exatamente como chegará para as pessoas né. Obrigada de coração! Beijo grande!
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A leitura é leve, e o tema bem pesado….rs…E aí q tá a grandeza!!! E vai sempre postando seus textos!!! Bjs grandes
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Pri, parabéns pelo blog e pelo texto lindo! Fiquei emocionada ao lembrar dos nossos dias de tristeza, mas também, e principalmente, de alegria lá na UTIn!
Beijos pra vocês!!
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Pri, parabéns pelo blog e pelo texto lindo! Fiquei emocionada ao lembrar dos nossos dias de tristeza, mas também, e principalmente, de alegria na UTIn após o nascimento dos nossos pequenos!
Beijos pra vocês!!
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Luíza! Que bom receber sua mensagem. Lembrei muito da gente naquela época. Foi uma experiência muito marcante né… e fez a diferença poder contar com vcs! Beijo grande!
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